quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Caçando Carneiros - Haruki Murakami

Carneiros, consumismo e solidão

Caçando Carneiros foi lançado originalmente no Japão em 1982 e foi o romance do escritor Haruki Murakami que abriu os olhos do público para o início de algo grande. Cinco anos mais tarde, com o lançamento de “Norwegian Wood”, teríamos o que foi chamado Fenômeno Murakami.



 

O livro, traduzido para o português pela grande Leiko Gotoda, é narrado em primeira pessoa por um jovem publicitário – cujo nome jamais ficamos sabendo – de carreira enfadonha, mas que, como todo e qualquer japonês adulto, precisa suar muito a sua camiseta no emprego. Ele tem cerca de 30 anos, vive uma vida pacata e trabalha em Tóquio com um sócio, um velho amigo bêbado inveterado. Convive com sua ex-mulher e uns poucos amigos. Tudo aparentemente muito comum, até que sua situação muda: ele recebe uma carta e algumas fotos. E sua vida nunca mais foi a mesma.




Mais tarde, um homem misterioso visita o protagonista em seu escritório e, após uma longa conversa, o incumbe com a extraordinária tarefa de sair à caça de um carneiro com uma estrela nas costas, numa cidadezinha provinciana da distante região de Hokkaido, ao norte do Japão. O homem compartilha o fato de que o tal carneiro não é um animal comum, longe disso. Como se não bastasse, o misterioso visitante diz ao protagonista que, se ele não encontrar o carneiro dentro de um mês, a vida do jovem será arruinada. E assim, sem entender absolutamente nada sobre o que está acontecendo, e nem ao menos compreendendo porque fora escolhido, ele se lança em uma busca fantástica, atravessando o Japão para encontrar o único carneiro que pode trazer novamente algum sentido ao seu cotidiano. No caminho, ele acaba encontrando personagens peculiares: uma modelo de orelhas sedutoras, um grupo político com um chefe enigmático e, bem, um homem-carneiro. Nenhum dos personagens do romance possui nome, sequer o gato de estimação. Nessa jornada, nosso narrador se verá no lugar de um excêntrico detetive que, ao mesmo tempo em que recolhe pistas e tenta esclarecer enigmas, descobre um pouco mais sobre si mesmo.



  
Impressões sobre a leitura.
As primeiras páginas são carregadas de uma lentidão por vezes penosa. Nada acontece, nada dá a entender que algo vá um dia acontecer. São parágrafos e mais parágrafos de descrições, das mais variadas. Daí então você percebe que ninguém tem nome. Absolutamente ninguém. A trama começa a se desenrolar e você vê que marcas de produtos tem proeminência sobre nomes e sentimentos humanos. Mais algumas descrições. Nada faz sentido. Até que então tudo faz sentido. As primeiras páginas entediantes estavam introduzindo o ritmo do romance, preparando o leitor para o mundo que se descortina aos seus olhos: um mundo de ações calculadas, materialismo, consumismo, irracionalidade, fantasia e doses cavalares de tristeza e solidão. É um romance com cunho detetivesco e pós-moderno no qual sonhos, devaneios e a mais fértil imaginação tresloucada são mais cruciais do que provas ou pistas.
A narrativa possui um tom de mitologia e de peso histórico bastante atraentes. Menciona Gengis Khan e eventos de suma importância na história moderna, tudo imerso em mistério. O autor aqui sabe como criar personagens carismáticos com os quais acabamos por nos apegar. Ele também traça habilmente a personalidade de cada um deles e delineia magistralmente o rumo que cada um deles tem a tomar, controlando seus destinos e ajudando-os a redescobrir suas vidas.
Tal qual Kafka, Murakami, aqui, demonstra possuir a capacidade de unir o real e o inverossímil de maneira atraente e despertando a curiosidade do leitor. Ele põe à prova seu estilo único de contar histórias recheadas de absurdos visíveis e encontra o merecido sucesso pelo seu bem escrever.


Um dos grandes diferenciais da obra de Murakami com relação aos seus compatriotas é o fato de que seus personagens, apesar de imersos até o pescoço num mundo de fantasia, vivem no Japão uma realidade quase igual à nossa ou de pessoas de muitos outros países. Dão o melhor de si mesmos por suas carreiras, bebem demais, vagam por casamentos desfeitos, vivem vidas tortuosas. E tudo isso e muito mais sem um único quimono à vista, um único samurai a ser mencionado ou uma gueixa sequer. Trata-se do que alguns já chamaram de ocidentalização, o que já foi chamado de globalização e que, hoje em dia, é nada mais nada menos do que a unificação cultural através da influência dos meios de comunicação em massa, tema amplamente trabalhado em seus livros, mas que ainda é tratado como assunto à parte pela maioria dos autores nipônicos e principalmente pelos críticos literários daquele país.

Murakami é um autor que sabe muito bem como contar histórias imbuídas com o extraordinário. Mesclando situações banais com fatos inexplicáveis, ele guia o leitor por suas narrativas oníricas, num mergulho em seu universo único.



Ricardo Machado 08/09/2014 (lido em Português e Japonês)

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