Carneiros, consumismo e solidão
Caçando Carneiros foi lançado
originalmente no Japão em 1982 e foi o romance do escritor Haruki Murakami que
abriu os olhos do público para o início de algo grande. Cinco anos mais tarde,
com o lançamento de “Norwegian Wood”, teríamos o que foi chamado Fenômeno Murakami.
O livro, traduzido para o português pela grande Leiko Gotoda, é narrado em
primeira pessoa por um jovem publicitário – cujo nome jamais ficamos sabendo – de
carreira enfadonha, mas que, como todo e qualquer japonês adulto, precisa suar muito
a sua camiseta no emprego. Ele tem cerca de 30 anos, vive uma vida pacata e trabalha
em Tóquio com um sócio, um velho amigo bêbado inveterado. Convive com sua ex-mulher e uns poucos amigos. Tudo aparentemente muito
comum, até que sua situação muda: ele recebe uma carta e algumas fotos. E sua
vida nunca mais foi a mesma.
Mais tarde, um homem misterioso visita
o protagonista em seu escritório e, após uma longa conversa, o incumbe com a
extraordinária tarefa de sair à caça de um carneiro com uma estrela nas costas,
numa cidadezinha provinciana da distante região de Hokkaido, ao norte do Japão.
O homem compartilha o fato de que o tal carneiro não é um animal comum, longe
disso. Como se não bastasse, o misterioso visitante diz ao protagonista que, se
ele não encontrar o carneiro dentro de um mês, a vida do jovem será arruinada.
E assim, sem entender absolutamente nada sobre o que está acontecendo, e nem ao
menos compreendendo porque fora escolhido, ele se lança em uma busca fantástica, atravessando o Japão para
encontrar o único carneiro que pode trazer novamente algum sentido ao seu
cotidiano. No caminho, ele acaba encontrando personagens peculiares: uma modelo
de orelhas sedutoras, um grupo político com um chefe enigmático e, bem, um
homem-carneiro. Nenhum dos personagens do
romance possui nome, sequer o gato de estimação. Nessa jornada, nosso narrador se verá no lugar de um excêntrico detetive
que, ao mesmo tempo em que recolhe pistas e tenta esclarecer enigmas, descobre
um pouco mais sobre si mesmo.
Impressões sobre a leitura.
As primeiras páginas são carregadas de uma lentidão por vezes
penosa. Nada acontece, nada dá a entender que algo vá um dia acontecer. São
parágrafos e mais parágrafos de descrições, das mais variadas. Daí então você
percebe que ninguém tem nome. Absolutamente ninguém. A trama começa a se
desenrolar e você vê que marcas de produtos tem proeminência sobre nomes e
sentimentos humanos. Mais algumas descrições. Nada faz sentido. Até que então
tudo faz sentido. As primeiras páginas entediantes estavam introduzindo o ritmo
do romance, preparando o leitor para o mundo que se descortina aos seus olhos:
um mundo de ações calculadas, materialismo, consumismo, irracionalidade,
fantasia e doses cavalares de tristeza e solidão. É um
romance com cunho detetivesco e pós-moderno no qual sonhos, devaneios e a mais
fértil imaginação tresloucada são mais cruciais do que provas ou pistas.
A narrativa possui um tom de mitologia e
de peso histórico bastante atraentes. Menciona Gengis Khan e eventos de suma
importância na história moderna, tudo imerso em mistério. O autor aqui sabe como criar
personagens carismáticos com os quais acabamos por nos apegar. Ele também
traça habilmente a personalidade de cada um deles e delineia magistralmente o
rumo que cada um deles tem a tomar, controlando seus destinos e ajudando-os a
redescobrir suas vidas.
Tal qual Kafka, Murakami, aqui,
demonstra possuir a capacidade de unir o real e o inverossímil de maneira
atraente e despertando a curiosidade do leitor. Ele põe à prova seu estilo
único de contar histórias recheadas de absurdos visíveis e encontra o merecido sucesso
pelo seu bem escrever.
Um dos grandes diferenciais da obra de Murakami com relação aos
seus compatriotas é o fato de que seus personagens, apesar
de imersos até o pescoço num mundo de fantasia, vivem no Japão uma realidade
quase igual à nossa ou de pessoas de muitos outros países. Dão o melhor de si
mesmos por suas carreiras, bebem demais, vagam por casamentos desfeitos, vivem
vidas tortuosas. E tudo isso e muito mais sem um único quimono à vista, um
único samurai a ser mencionado ou uma gueixa sequer. Trata-se do que alguns já
chamaram de ocidentalização, o que já foi chamado de globalização e que, hoje
em dia, é nada mais nada menos do que a unificação cultural através da influência
dos meios de comunicação em massa, tema amplamente trabalhado em seus livros,
mas que ainda é tratado como assunto à parte pela maioria dos autores nipônicos
e principalmente pelos críticos literários daquele país.
Murakami é um autor que sabe muito bem
como contar histórias imbuídas com o extraordinário. Mesclando situações banais
com fatos inexplicáveis, ele guia o leitor por suas narrativas oníricas, num
mergulho em seu universo único.
Ricardo Machado 08/09/2014 (lido em Português e Japonês)
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