Explica-me os
pássaros, pai.
Rui
encontra-se numa encruzilhada. Despedaçado desde que sua primeira mulher o
abandonou e oprimido pelo desprezo silencioso que o pai e a família lhe devotam
por conta do modo de vida que escolheu para si, este professor universitário
vê-se estagnado, vítima da frustração resignada e de um surdo desespero,
reprimidos por anos sem conta e a tornarem-se mais e mais insuportáveis.
Assim,
após visitar a mãe a morrer no hospital, Rui decide-se por levar sua segunda
mulher, Marília, para uma viagem de quatro dias em Aveiro, onde pretende
terminar a relação, na esperança de que, liberto de um relacionamento que julga
ruim, possa enfim retomar o próprio rumo e dar um novo curso para sua vida.
Contudo, haverá ainda forças para tanto? Será possível, depois de tanto tempo,
levantar-se do chão e recomeçar?
À
semelhança de suas obras anteriores, o autor divide o romance em capítulos
cronológicos (os quatro dias passados em Aveiro), que, no entanto, não se
limitam ao escopo temporal de seus títulos. Por conseguinte, o leitor se depara
a cada página – às vezes a cada parágrafo – com histórias concomitantes: ao
relato do presente, em Aveiro, intercalam-se flashbacks de seu passado com a
primeira mulher, as antigas querelas familiares, o divórcio, o início de seu
relacionamento com Marília, bem como eventos de um passado ainda mais remoto,
origem de suas alegrias e futuras dores: a infância e, sobretudo, a tarde
idílica passada na quinta, com o pai a explicar-lhe os pássaros. Além de seu
passado e presente, a partir de determinado ponto é-nos dado a conhecer também
o futuro de Rui, isto é, os eventos ulteriores à viagem a Aveiro. Uma vez que
tal emaranhado narrativo é magistralmente arranjado pelo autor, o leitor, após
acostumar-se à obra, não encontra dificuldades em acompanhar o decurso de cada
história; pelo contrário, sente-se intrigado e mesmo sequioso de navegar por
esse imbricamento textual, que desafia constantemente nossa atenção e
entendimento.
A
força poética da prosa de António Lobo Antunes sempre me fascinou. Em
"Explicação dos Pássaros" não é diferente: seu lirismo visceral,
altamente metafórico, a diluir passado, presente e futuro num fluxo narrativo
vertiginoso, é simplesmente avassalador, imprimindo-nos a fogo o selo trágico
da história de um homem à beira do abismo. É decerto um dos grandes escritores
de língua portuguesa da atualidade - se não o maior.
Filipe Kepler 21/06/2011
Nenhum comentário:
Postar um comentário