Um manto sobre a deflagração
Neste livro de
1997, Nathan Zuckerman, o alter ego de Philip Roth, entra mais uma vez em cena
para recontar a história do seu ídolo de infância Seymour “O Sueco” Levov.
Com sua capacidade
esportiva, o Sueco poderia ter sido um atleta de carreira estupenda e fama
contundente, porém é influenciado pelo pai a deixar o esporte de lado e dar
continuidade ao negócio da família. Seymour se forma e passa a trabalhar integralmente
com o pai na fábrica de luvas para senhoras, dando o melhor de si e aprendendo
tudo que se pode saber sobre o couro, o trabalho em um curtume e a confecção de
luvas.
Contudo, esse é apenas o prólogo da pastoral, que vem, como um manto de campos, flores, animais e vida bucólica, cobrir o caos que se vai formando na vida do Sueco.
A narrativa demora
um pouco para tomar forma. Nathan passa um bom número de páginas falando sobre
o ser velho, doenças, mortes e conversas entre amigos da mesma idade. Até que
surge o Sueco, e Nathan começa a nos contar a parte de sua vida que é
publicamente conhecida, e que mal nos faz erguer uma sobrancelha, tal é a
mediocridade de sua existência: o super esportista que se tornou empresário,
nada mais. A superficialidade aparente da vida de Seymour é tão marcante que
faz com que Nathan, ainda que curioso a respeito do ídolo, perca um pouco do
respeito e interesse que outrora possuía. Isso até escritor começar a investigar
sobre a vida do antigo herói, em busca de algo mais do que sua perpétua
serenidade e bondade sem limites, e se depara com o inesperado. Perguntas sem
respostas, fatos que parecem não se conectar com nada concreto. Teria o Sueco
se casado com a Miss New Jersey para contrariar o pai e mostrar independência,
ainda que uma única vez? Seria um casamento feliz? Teria ele criado no seio de
sua própria família alguém capaz de um ato de terrorismo?
“Pastoral Americana”
é uma obra densa que trata de inúmeros temas, tais como a revolução sexual e
social dos anos 60, a Guerra do Vietnã, o caso Watergate, o lançamento do filme
Garganta Profunda, a política norte americana, a imigração (principalmente dos
judeus) e a geração legitimamente americana, entre outros. Roth, na voz de
Nathan e de Seymour, recheia o relato da vida do Sueco com doses de filosofia,
bom humor e crítica social e política, criando uma narrativa cheia de
ondulações onde os altos são bem altos e baixos, muito baixos.
Ao longo das
quatrocentas e oitenta páginas da versão brasileira, o leitor vai sendo
colocado frente a frente com a mesma situação inúmeras vezes, sendo que cada repetição
é apresentada sobre uma nova perspectiva, o que auxilia a desvendar os
mistérios por trás da ascensão e queda do Sueco. As descrições ricas em
detalhes sobre o trabalho na fábrica e a confecção de luvas tornam a rotina do
Sueco uma parte de nós mesmos, parte essa que, após certo número de páginas,
torna-se tão necessária quanto os próprios personagens.
A obra foi listada
pelo The New York Times como sendo um
dos melhores escritos em ficção americana dos últimos trinta anos e está na lista com a cem maiores obras em língua inglesa do século XX. A obra recebeu o Prêmio Pulitzer em 1998. Trata-se de
um romance com um apelo visceral, que, uma vez absorvido pelos olhos, se aloja em
nosso âmago, para de lá não mais sair. Um romance grandioso na sua escrita e no
seu poder de fazer pensar e influenciar ideias.
Ricardo Machado 18/08/2014 (lido em português e inglês)
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